quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

TECNOLOGIA ARTIFICIAL MAIS HUMANA

Impensável antes da descoberta da estrutura do DNA, em 1953, a compreensão da mente em termos biológicos é o principal desafio da ciência do século 21. É a possibilidade de entender, finalmente, os caminhos da aprendizagem, da percepção, das lembranças e da consciência, e também a fronteira do livre-arbítrio. A maior dificuldade em um projeto de engenharia reversa do córtex é também a mais óbvia: como reconstruir algo que não sabemos ao certo como funciona. Fundindo as máquinas mais velozes do mundo à nanotecnologia e à neurociência, as simulações, hoje, não passam de aproximações.
147.456 processadores, 143 terabytes de memória, 6.675 toneladas de aparelhos de ar condicionado, milhões de watts de energia elétrica e quase 4 mil metros quadrados de área. É esse o tamanho do maior cérebro artificial do mundo, construído no laboratório de inovação IBM, na Califórnia. “A capacidade computacional da mente é absurda. Por isso, criamos um modelo para tentar entendê-la”, explica o cientista indiano Dharmendra Modha, chefe do setor de computação cognitiva da IBM e criador do projeto. Para ele, “o cérebro é um paradigma”, pois “consegue sentir, perceber, interagir, lidar com ambigüidade e entender contextos” e, mesmo assim, “usar menos energia do que uma lâmpada e ocupar um espaço mínimo”.
Mas e a meta da tecnologia, ao que tudo indica, é tentar seguir esses mesmos passos. Mesmo com poder de arquivamento enorme, as máquinas ainda são incapazes de fazer o feijão-com-arroz da mente: pensar, sentir, adaptar-se.
Os projetos são inúmeros e promissores, tal como a cadeira de rodas que permite que pessoas paralisadas a controlem apenas com o pensamento, da Toyota.
Até o consumo deve ser afetado, como mostra uma pesquisa do Intel Labs, de Pittsburgh, que tem o objetivo de “ensinar as máquinas a entender um algoritmo daquilo que pensamos”, nas palavras do cientista Dean Pomerleau, chefe do projeto. A intenção é que, a partir disso, sejam desenvolvidas “interfaces mais ricas que as de hoje”, que seriam controladas sem dispositivos.
Montar um cérebro artificial, peça por peça, para finalmente entender como a mente real funciona, é o objetivo do projeto desenvolvido pela IBM, e financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA, que tenta reduzir um universo de conexões a uma série de padrões que reconstruiria as ações do córtex até 2019. A IBM, segue firme no projeto, carro-chefe do seu laboratório de inovação, em Almaden, na Califórnia.
Combinando a neurociência e a nanotecnologia, a empresa espera em longo prazo “demonstrar os algoritmos da mente e desenvolver compactos computadores que se aproximem dessa inteligência”.
Por outro lado, mapear o cérebro e entender suas reações para, depois, desenvolver uma interface que acabaria com a necessidade de um equipamento físico para controlar a televisão ou o computador, é o objetivo de uma pesquisa em curso no Intel Labs. “Ao decodificar o cérebro, conseguiremos desenvolver interfaces integrando a tecnologia aos nossos pensamentos”, diz Dean Pomeleau, responsável pela idéia.
A fusão entre o cérebro humano e as máquinas é uma das grandes promessas da ciência atual. Rastreando as ondas cerebrais e transportando-as para um dispositivo robótico, as diversas pesquisas no mundo todo desenvolvem protótipos, que como o da cadeira de rodas que dá autonomia aos quadriplégicos, mencionado anteriormente, e um sistema de escrita que lhes devolve a palavra (que vem direto do cérebro).

A MUTAÇÃO DA MENTE

A internet muda nosso cérebro. Eis a conclusão do livro‘iBrain – Sobrevivendo à Alteração Tecnológica da Mente Moderna’, (inédito no Brasil) do neurocientista americano Gary Small, diretor do Centro de Pesquisa em Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia. Small percebeu que pessoas com pouca experiência na web, quando online, mostravam atividade na linguagem, memória e centros visuais do cérebro, o que é típico de quem está lendo. Já usuários experientes tinham mais atividade nas áreas de tomada de decisão. Após cinco dias seguidos de navegação, a atividade cerebral dos novatos ficou mais parecida à dos veteranos. O cérebro adaptou-se rapidamente ao uso da rede.
Agora, há uma boa e uma má notícia aí: a boa é que, se você for mais velho, navegar pode ajudar a mantê-lo afiado; a má é que os mais experientes têm a capacidade neural muito consumida e sobra pouco para outras habilidades. Isso pode ser um indício do porque é difícil ler quando estamos online. É como ler um livro e fazer palavra-cruzada ao mesmo tempo.
A idéia do iBrain surgiu desenvolvendo tecnologias para estudar o cérebro à medida que envelhece. “Fiquei impressionado como as novas tecnologias, em especial, a internet, têm um efeito profundo em nossas vidas. Gostaria de saber qual o efeito delas no cérebro” – comenta o autor.
A Internet melhora a inteligência das pessoas, porque de certa forma cria uma extensão da memória biológica – temos um ‘HD externo’ com imensa quantidade de informações acessível a qualquer momento. Sacrificamos a profundidade pela amplitude. Os pontos positivos são: a possibilidade de se relacionar e colaborar em rede e o acesso instantâneo à informação. Os negativos incluem a o comprometimento da atenção e da dependência da tecnologia.
“Prevejo que vamos ter implantes de micro-chip no cérebro que nos ligarão a internet e a discos rígidos externos. Não vamos mais usar mouse e teclado. Vamos pensar em algo e instantaneamente isso vai acontecer”.

O PROJETO WALK AGAIN

Miguel Nicolelis, um dos principais expoentes dos estudos do cérebro, acredita que a ligação entre a tecnologia e a mente é indispensável para a solução de problemas em ambas as áreas. “Estamos investigando o sistema nervoso como uma forma distribuída e, com isso, estamos aprendendo o que acontece quando colocamos milhões ou bilhões de elementos trabalhando juntos. É uma ciência completamente nova e os computadores, muito inferiores na capacidade de analisar e entender contextos, só têm a aprender com a mente”, diz o fundador do Instituto de Neurociência que funciona desde 2005 em Natal, no Rio Grande do Norte, e que repatriou diversos pesquisadores brasileiros.
O brasileiro é um dos principais nomes de um projeto global chamado Walk Again, que une pesquisadores para construir uma espécie de exoesqueleto para humanos, nos moldes daquele dos besouros. Ligando a mente diretamente a um “terno” robótico (já em desenvolvimento), seria possível trazer movimentos de volta às pernas e aos braços de pessoas paralisadas, que controlariam a estrutura com pensamentos.
Eleito um dos 20 cientistas mais importantes do mundo pela revista Scientific American, Nicolelis é considerado o número 1 em sua especialidade, a neurobiologia, e seu maior projeto é conectar mente e robótica para fazer que quadriplégicos voltem a andar.
O pano de fundo desse experimento é a idéia de que, se fizermos com que um chip – ou uma ‘neuroprótese’ – capte os sinais da mente e transmita-os para um membro artificial em 200 milissegundos (que é o tempo em que um braço biológico responde aos impulsos), o cérebro entenderá aquela prótese mecanizada como uma parte do corpo.
“Já publicamos um trabalho mostrando a devolução do sinal de um computador diretamente para o cérebro humano”, afirma Nicolelis. “É como um tenista com uma raquete. Como ele a usa sempre, aquela ferramenta é assimilada como uma extensão do corpo. Com a interface cérebro-máquina, isso já está ocorrendo, pois alguns experimentos dizem que o corpo pode se acostumar de forma mais rápida do que nesse exemplo que eu dou, pois há uma ligação direta entre os estímulos neurais e o robô”, explica o médico, que hoje busca adaptar seus projetos para o uso clínico.
“Não há máquina que tenha visão crítica e ativa da realidade, que generalize e entenda contextos. A nova computação deve evoluir imitando o cérebro”, decreta Miguel Nicolelis. O futuro da tecnologia artificial é se tornar um pouco mais humana.
As máquinas, ao simular situações pelas quais o cérebro passa, cujo tema faz parte fundamental da nova neurociência que, apesar de já mostrar resultados, ainda dá os seus primeiros passos na compreensão total da mente. Por isso, em 2010, o chamado “Campus do Cérebro” idealizado por Nicolelis receberá um supercomputador Blue Gene/L, capaz de fazer 42 trilhões de operações por segundo – uma doação da Universidade de Lausanne, na Suíça. “Acho que, com essa união entre computação e cérebro, só temos a evoluir”, finaliza.

O FUTURO DIGITAL

O termo ciberespaço foi popularizado com a publicação de Neuromancer, de William Gibson em 1984, e não faz mais o menor sentido atualmente. O russo Lev Manovich, professor-diretor do grupo de Estudos Culturais do Software na Universidade da Califórnia, comenta: “Projetada como uma utopia na ficção cyberpunk, a web se concretizou e, com o tempo, foi totalmente domesticada e assimilada. Não há mais razão, portanto, para diferenciar online de offline, ou mesmo cultura de tecnologia: Esses espaços se fundiram e hoje são o mesmo. É tudo um fluxo contínuo”. Para ele, a separação entre os mundos real e virtual valeu só até 2005, quando a fusão se completou, com a ascensão da web 2.0 e das mídias sociais. A interatividade que isso trouxe é “uma mudança fundamental para a cultura humana”, mas apenas o começo do que uma sociedade inteiramente digitalizada poderá produzir.
Para Manovich, no mundo atual, o conceito de autoria fica cada vez mais borrado e, aos poucos, deixa de existir, assim como o ciberespaço futurista de Gibson. Todos seremos autores a cada livro lido, game jogado, disco ouvido. A cada vez que jogamos um videogame, diz o pesquisador: “a chance de duas pessoas percorrerem o mesmo espaço e fazerem as mesmas decisões é próxima do zero”. A arte do futuro não será mais feita de quadros ou instalações e nem mesmo de conceitos, e sim de cada jogo iniciado, da “experiência de cada pessoa”. A tensão entre a velha e a nova mídia, que ele estudou em seu livro mais comentado, The Language of the New Media (A linguagem da nova mídia), ainda não teria produzido um efeito significativo nos escritores, eles estão perdendo a batalha pela atenção dos leitores, para os milhares de blogs na internet.
“As novas tecnologias transformaram a forma de analisar a cultura. A linguagem colaborativa veio com a rede e se concretizou há apenas cinco anos. Ela já criou formatos e ainda vai mudar muito a produção de conhecimento” – Lev Manovich.
“Hoje, muito mais gente produz cultura e tudo faz parte de uma grande nuvem de informações. As pessoas escolhem pedaços de informação dessa nuvem e fazem suas próprias versões. O remix, que já foi tabu, hoje é o padrão” - Lev Manovich

Artur Matuck, um brasileiro excêntrico que trabalha com mídias digitais. Pouco conhecido fora do meio artístico e acadêmico, foi um dos pioneiros ao pensar a transformação que o impacto das linguagens do vídeo, do computador e da internet em uma época em que essas tecnologias nem eram populares.
Na década de 1970, Matuck propôs um selo que identificava obras que pudessem ser copiada gratuitamente. O símbolo ganhou o nome de “Semion” – “Sinal Internacional para Informação Liberada”. “Era uma idéia de contestação, de que a propriedade intelectual, o copyright e as patentes deveriam ser combatidos e de que poderia haver outra maneira de as pessoas serem criativas e de a informação se espalhar.”
Matuck também é excêntrico porque atua em áreas aparentemente distintas. Além de ser professor livre-docente de comunicação digital na Escola de Comunicação e Artes da USP, como videoartista, abordou matadouros nos EUA – ele é vegetariano e combate a “escravidão dos animais”; criou um software que confunde as letras digitadas (para dar a idéia de co-autoria entre homem e máquina); e já chegou a misturar poesia com ficção científica.
Sua atual proposta é bem provocadora: “a de que o acesso à tecnologia digital deveria ser um Direito (com D maiúsculo mesmo) do ser humano”. Uma vez que, na sociedade, é essencial que cada pessoa tenha uma identidade na internet – seja ela por e-mail, por redes sociais ou por uma conta no site da Receita Federal – o acesso a essas ferramentas deveria ser garantido, por que não, até pela Constituição. “A linguagem contemporânea passa pelas linguagens computacionais e da mídia. E os seres humanos deveriam ter direito a usar a linguagem do seu tempo. Todo mundo deveria ter direito a usar os softwares mais complexos, mais avançados.”
Matuck não defende a pirataria. Acredita que é, sim, um crime fazer download ilegal. Só que soluções precisam ser criadas. E cita a fotografia, cuja patente foi comprada pelo governo da França, no século 19, e doada para a humanidade. “É o primeiro exemplo de open source (código aberto) da história.” Quem sabe, um dia, isso possa acontecer com softwares?
A representação virtual é essencial para a negociação política. “Para que grupos e pessoas se representarem no mundo virtual e terem atuação relevante, eles têm de dominar linguagens que a escola ou a universidade não ensinam” - Artur Matuck
“Não estou de acordo que as pessoas devam ser acusadas (por fazer download). Há campanhas de livreiros que falam que copiar um livro é um crime. Eu acho que essa frase é um crime. Quer dizer que autoeducar é um crime” - Artur Matuck

O BLOG TECNOCULTURA E SOCIEDADE

O tema “Tecnologia, Cultura e Sociedade” tem se desenvolvido em todos os sentidos e vem adquirindo crescentes condições para que se aumente a legitimidade de sua discussão.
Assim, este Blog busca exercer sua vocação de estudar o fenômeno informação buscando apreendê-lo a partir dos contextos sociais de sua produção, organização e uso.
Tradicionalmente “Tecnologia, Cultura e Sociedade” se refere à sociologia da ciência e à sociologia da tecnologia. A proposta deste Blog é o de discutir a temática.
Segundo o Prof. Amilcar Herrera, (fundador do Instituto de Geociências da Unicamp) na década de 70, “Cultura” é a uma memória coletiva. Isso se aplicaria tanto às tradições quanto a um conhecimento coletivo acumulado sobre determinado ramo da ciência ou da tecnologia por um povo ou por uma empresa.
Poderíamos dizer também que cultura refere-se a uma produção coletiva: Muito atual, considerando a cibercultura, o creative commons, dentre outros.
Junte-se à nós, venha discutir, e participar desta produção coletiva.