O termo ciberespaço foi popularizado com a publicação de Neuromancer, de William Gibson em 1984, e não faz mais o menor sentido atualmente. O russo Lev Manovich, professor-diretor do grupo de Estudos Culturais do Software na Universidade da Califórnia, comenta: “Projetada como uma utopia na ficção cyberpunk, a web se concretizou e, com o tempo, foi totalmente domesticada e assimilada. Não há mais razão, portanto, para diferenciar online de offline, ou mesmo cultura de tecnologia: Esses espaços se fundiram e hoje são o mesmo. É tudo um fluxo contínuo”. Para ele, a separação entre os mundos real e virtual valeu só até 2005, quando a fusão se completou, com a ascensão da web 2.0 e das mídias sociais. A interatividade que isso trouxe é “uma mudança fundamental para a cultura humana”, mas apenas o começo do que uma sociedade inteiramente digitalizada poderá produzir.
Para Manovich, no mundo atual, o conceito de autoria fica cada vez mais borrado e, aos poucos, deixa de existir, assim como o ciberespaço futurista de Gibson. Todos seremos autores a cada livro lido, game jogado, disco ouvido. A cada vez que jogamos um videogame, diz o pesquisador: “a chance de duas pessoas percorrerem o mesmo espaço e fazerem as mesmas decisões é próxima do zero”. A arte do futuro não será mais feita de quadros ou instalações e nem mesmo de conceitos, e sim de cada jogo iniciado, da “experiência de cada pessoa”. A tensão entre a velha e a nova mídia, que ele estudou em seu livro mais comentado, The Language of the New Media (A linguagem da nova mídia), ainda não teria produzido um efeito significativo nos escritores, eles estão perdendo a batalha pela atenção dos leitores, para os milhares de blogs na internet.
“As novas tecnologias transformaram a forma de analisar a cultura. A linguagem colaborativa veio com a rede e se concretizou há apenas cinco anos. Ela já criou formatos e ainda vai mudar muito a produção de conhecimento” – Lev Manovich.
“Hoje, muito mais gente produz cultura e tudo faz parte de uma grande nuvem de informações. As pessoas escolhem pedaços de informação dessa nuvem e fazem suas próprias versões. O remix, que já foi tabu, hoje é o padrão” - Lev Manovich
Artur Matuck, um brasileiro excêntrico que trabalha com mídias digitais. Pouco conhecido fora do meio artístico e acadêmico, foi um dos pioneiros ao pensar a transformação que o impacto das linguagens do vídeo, do computador e da internet em uma época em que essas tecnologias nem eram populares.
Na década de 1970, Matuck propôs um selo que identificava obras que pudessem ser copiada gratuitamente. O símbolo ganhou o nome de “Semion” – “Sinal Internacional para Informação Liberada”. “Era uma idéia de contestação, de que a propriedade intelectual, o copyright e as patentes deveriam ser combatidos e de que poderia haver outra maneira de as pessoas serem criativas e de a informação se espalhar.”
Matuck também é excêntrico porque atua em áreas aparentemente distintas. Além de ser professor livre-docente de comunicação digital na Escola de Comunicação e Artes da USP, como videoartista, abordou matadouros nos EUA – ele é vegetariano e combate a “escravidão dos animais”; criou um software que confunde as letras digitadas (para dar a idéia de co-autoria entre homem e máquina); e já chegou a misturar poesia com ficção científica.
Sua atual proposta é bem provocadora: “a de que o acesso à tecnologia digital deveria ser um Direito (com D maiúsculo mesmo) do ser humano”. Uma vez que, na sociedade, é essencial que cada pessoa tenha uma identidade na internet – seja ela por e-mail, por redes sociais ou por uma conta no site da Receita Federal – o acesso a essas ferramentas deveria ser garantido, por que não, até pela Constituição. “A linguagem contemporânea passa pelas linguagens computacionais e da mídia. E os seres humanos deveriam ter direito a usar a linguagem do seu tempo. Todo mundo deveria ter direito a usar os softwares mais complexos, mais avançados.”
Matuck não defende a pirataria. Acredita que é, sim, um crime fazer download ilegal. Só que soluções precisam ser criadas. E cita a fotografia, cuja patente foi comprada pelo governo da França, no século 19, e doada para a humanidade. “É o primeiro exemplo de open source (código aberto) da história.” Quem sabe, um dia, isso possa acontecer com softwares?
A representação virtual é essencial para a negociação política. “Para que grupos e pessoas se representarem no mundo virtual e terem atuação relevante, eles têm de dominar linguagens que a escola ou a universidade não ensinam” - Artur Matuck
“Não estou de acordo que as pessoas devam ser acusadas (por fazer download). Há campanhas de livreiros que falam que copiar um livro é um crime. Eu acho que essa frase é um crime. Quer dizer que autoeducar é um crime” - Artur Matuck
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
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Muito interessante a publicação.
ResponderExcluirComo pederia um cientista ou programador dedicar anos de sua vida ao desenvolvimento de um software e não ter nenhum retorno (financeiro) por toda a sua dedicação? Vejo aí o grande perigo, que em parte já vivemos, de uma enorme crise de criatividade.
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